Jean Paul Rességuier

Textos

Algumas imagens da prática do sensível

Produção do sensível

A prática do sensível é, antes de tudo, a capacidade de produzi-lo. Produzir o sensível é a função do que chamamos “nouage”. O vínculo que estabelecemos com o mundo envolvente e que este mundo estabelece conosco, esse entrelaçamento feito de dádiva recíproca, é a nouage. O agenciamento dessa transição é operado por uma nítida e verdadeira ruptura com os modos anteriores. Embora sejamos nós que produzimos esse agenciamento, de certa forma, é quase apesar de nós que o mesmo se produz. Há, neste gesto, um efeito de sopro que varre estados de ser anteriores e que, literalmente, nos coloca aqui e agora. 

Nesse contato compartilhado, os elementos encontrados, tanto os da paisagem quanto os das pessoas presentes, tornam-se acessíveis. O mundo está ao nosso alcance e nós estamos ao alcance do mundo: simplificação.  Tudo isso está interagindo e somos testemunhas. A árvore com a qual estou em contato se torna presente para mim e me faço presente para ela, posso confirmá-la na sua existência e senti-la. Da mesma forma, ela pode confirmar que existo e sentir o que me anima. 

Como tudo isso acontece? Parece que na camada de experiência do sensível, sou relação. O outro e o mundo circundante se tornam presenças efetivas. Frescura do presente que ressoa em nós e reaviva nossos sentidos. Tornamo-nos novamente o que somos: relação das partes de nós mesmos com o mundo e do mundo com tudo o que nos compõe.

Mover-se no coração do intenso

E agora podemos nos mover neste espaço de vida feito de nuances. É quase sem forma, mas intenso e dinâmico. Cada uma das nossas ações está envolvida por qualidades inefáveis, força, suavidade e elegância. Uma elegância funcional: é simples, eficaz e lindo. Um estado de graça? Sim, talvez, quando esse estado se impõe dele mesmo. Por ser essa a sua natureza, não podemos apreendê-lo, muito menos programá-lo, no máximo evocá-lo. A nouage é um dos agenciamentos que nos permite produzi-lo, ressoar com ele e regenerá-lo quando necessário.

O conceito de órgão intensivo

Em cada um de nossos atos será produzida uma função que chamamos de órgão intensivo. É caracterizada pela informação, forma que surge nesse espaço intenso e liso. É o órgão intensivo em sua agência única. Quando estamos inteiros no que estamos fazendo, literalmente “em ato”, este órgão é produzido para uma função específica. 

Como exemplo, no gesto do oleiro está a ação do órgão intensivo “oleiro” que inclui uma sensorialidade, disposições de espírito e uma fisiologia própria. Tem ali, no plano de imanência, todo um dispositivo em ação. Isso é o que faz a expertise do oleiro com a terra. O ficar à vontade dele vem do seu gesto que passa em vias não acessíveis ao controle consciente. Ele fica “agido”: é eficaz e lindo. 

Nossos modos de ser estão em crise

Por que isso acontece com o oleiro e não com cada um de nós no dia a dia? Porque nossos modos de estar no mundo estão em crise. O viver parece se estabelecer à distância dos fluxos dos seres vivos. O querer viver e o gosto pelo viver murcha. A questão é esses modos, pouco a pouco se tornam a norma. A árvore que estou olhando permanece longe, é um objeto entre muitos e as interações estão sob controle. É o mesmo para as nossas relações sociais, o outro, os outros passam a ser objetos da nossa vida. O mundo se reduz a formas que colidem e precisam ser controladas. O sensível está fora de alcance e a vida sem graça.

A clínica e o cuidado

O primeiro gesto do cuidado será de reanimar o sensível para sair deste estado de crise. Só então poderemos atuar no coração dessas intensidades. Nossas ferramentas serão modeladas no modo “órgão intensivo”, as informações serão agenciadas e nesse espaço, o intenso vai agir.

Nós, testemunhas ativas, contemplamos o que está acontecendo, acompanhando pela via do sentir. Como o nosso vocabulário é pobre quando se trata de nomear essas impressões sensíveis! 

Mas o intenso está agindo. Aos poucos, estaremos mais aptos a experimentá-lo, e como faz o poeta a distingui-lo e colocá-lo em palavras.

E a forma corporal?

A forma corporal não aparece no nosso viver a menos que a evoquemos ou que apresentemos alterações funcionais. Ela se torna acessível só no tempo dos reajustes necessários. E depois será reintegrada no que chamamos transparência funcional. No andar, não mexemos as pernas, andamos!

plugins premium WordPress